SOLO PARA VIALEJO: O INCRÍVEL POEMA DE CIDA PEDROSA
Não surpreende que SOLO PARA VIALEJO, de Cida Pedrosa, fosse considerado o melhor livro do ano 2020 ao receber o prêmio JABUTI.
Veja o inicio do prefacio de Mariana Ianelli, já diz tudo do extenso poema épico – lírico envolvido numa musicalidade magistral:
“Você que vem, venha com tempo e ouvido atento, que a viagem é em distância e fundura. Leva-nos este solo que é som e chão, tempo e ser. Um solo que nos envolve até a síntese encarnada de ser voz de uma nossa terra. Cida Pedrosa, esta mulher que sabemos multidão, poeta de palavra – laberada, é quem nos leva pela língua á infância de nossa historia. Terra Brasilis, sangue e seiva, suas core, seue ritmos,e, em cores e ritmos, sua extraordinárias mestiçagem.
A flor deste remoto novo mundo é, de nascença, uma flor épica. Azul e épica resistente em luta…” (Mariana Ianelli)
Na sua viagem do mar para o sertão, Cida, envereda na historia épica e poética:
“…serra talhada o verso pajeuzeiro
serra talhada
é telha tinhosa que divide sertões
ao nordeste espraia-se são josé do
egito uma trilha para o verso a veia
e a velocidade da métrica para as
rimas rubras vindas de outros ma
res mouros murmuradas e lamen
tadas em violas serra talhada berço
de virgulino aquele pardo que se
fez povo poder e pária migrou do
campo de algodão para o campo
de batalha se fez punhal e fé es
curidão e facho quimerou ser ta
pera para marías e dadás banidos
de todos os gêneros e negros sem
destino se fez corisco cascavel se
fez imagem e
imaginário
imaginário
imaginário…”
Faz da negrura, a mulher e o sofrimento uma epopeia:
“… ser negro
negro ser
ser negra
conheço a tez do sol e a flor-trabalho
geralda e lourdes geralda e lourdes
geralda e Lourdes
mulheres que usavam calças por baixo das saias
irmãs que colhiam colhiam
co-lhi-am
manhãentardecer manhãentardecer
manhãentardecer
colhiam o algodão cantando benditos com voz de
altar para espantar o calor e saudar a tarde que as
libertava da labuta
pretas pretas pretas
eu lhes entregava o almoço no local de trabalho e
as via comer embaixo do pé de juazeiro ao canto
de pássaro atrasado e das cigarras com agonia a
água de quartinha encerrava o ritual de descanso
improvisado e nos fazia lembrar a presença do sol
e a distância de deus…”
O vialejo – como é chamada a gaita no interior – foi o instrumento que Cida ganhou do pai na infância mas nunca tocou:
(…) te encontro me encontro
te encontro me
encontro
te
encontro
no vialejo azul que ganhei do meu pai quando
menina e nunca aprendi a tocar
na canção
azul
na flor
azul
no anjo
azul
na borboleta
azul
na flor árida
e azul
me encontro e te encontro
no ser
ser tão assim
sertão
e só (…)